domingo, 2 de junho de 2019

Esperança



Esperança
A partir de “Os Memoráveis”, de Lídia Jorge

Personagens:
-     Miss Machado
-     Americanos
-     Chefe Nunes
-     Bronze
-     Tião
-     Umbela
-     Salamidas
-     Charlie 8

ATO I
Oito horas em ponto. Deposição pacífica. Já haviam passado dois dias e nada de grave tinha acontecido.

Cena 1
(Miss Machado acompanhada por um grupo de Americanos que conversam entre si sobre o 25 de Abril numa biblioteca)

Americano: Pode crer, Miss Machado que nunca encontrei ao longo do meu percurso um povo tão sensato como aquele que você pertence. Um povo pobre, sem letras, cinquenta anos a viver em ditadura e, de repente, do nada fazem um golpe de Estado. Naquele dia, todos saíram à rua para gritar, uns ameaçavam-se, outros estavam armados, insultavam-se, batiam-se, mas não se mataram. É esta a realidade que preciso de contar antes que seja tarde. Compreende o que estou a dizer?

Miss Machado: (A ouvir e a pensar em tudo o que ele dizia)
Se compreendo? Eu não preciso de compreender! Tudo o que ele diz é um facto, e não há como contrariar.

Cena 2
Todos se encontram na casa de uns Americanos onde continuam a falar do dia da revolução e de Portugal

Americano: Eu falo do povo, mas o povo tem assinatura. O Lourenço é um dos que fez a assinatura. Almoçámos várias vezes juntos. Esse ainda continua vivo e o Carvalho também, mas o Antunes e o Salgueiro, infelizmente não. Meu Deus, o Salgueiro era um menino… só tinha quarenta e sete anos e deixou-nos (emocionado). Pessoas maravilhosas que morreram, povo maravilhoso, cidade encantadora, onde passei os melhores momentos da minha vida. E muitos amigos chegados lá deixei!

ATO II

Cena 1

Miss Machado: (Limpa a carrada de poeira que se havia depositado no vidro e na moldura lacada. Senta-se no último degrau do escadote de Jacob e olha profundamente para um fotografia, pensativa) Nesta fotografia, António Machado ocupava o primeiro plano esquerdo de um grupo de vários, e Rosé Honoré sentada à direita ocupava um plano intermédio no canto da mesa. Ali estavam os dois separados pela mesa.
(Em voz alta) – Lembrava-me o que costumavam dizer- tirámos-lhes as gárgulas - ela dizia sempre isso. (Referindo-se a Rosé Honoré)

(Meia hora depois, Miss Machado ainda pensa na fotografia que encontrou)

Miss Machado: Eu conhecia a maior parte dos sublevados que ali se encontravam, sabia que no verso da fotografia, havia uma legenda escrita pela mão de Rosé Honoré ainda que não me lembrasse dos detalhes. Não há mais dúvida alguma, eu vou servir-me da fotografia estou segura que fiz o meu achado.



Ato III
Passados seis meses, já em Portugal, Miss Machado reúne todos os que ainda restavam da fotografia para uma conversa, num restaurante em Lisbo, a sobre o dia da revolução.

Cena 1

Chefe Nune: Pois bem (esfrega as mãos), posso dizer-lhe que tinha ido amanhecer à baixa. Entrava e saía das lojas quando a coluna militar entrava a subir na direção do Rossio. Quando a vi avançar, soube logo o que se passava, esqueci-me de tudo e gritei: “Levem-me a mim pessoal! Arranquem-me a cabeça do corpo e façam dela uma bala.” Estava eufórico, andei atrás deles o dia todo, assisti a tudo. Lisboa era uma festa pegada, dei por mim em vários locais da cidade ao mesmo tempo. Juro, aquele foi o dia mais feliz da minha vida!

(Miss Machado coloca também questões ao Coronel Bronze sobre o dia da Liberdade)

Miss Machado: Falemos, então, senhor Coronel, daquele dia, o primeiro dia da Liberdade. Em seu entender, como classifica o que se passou naquele dia?

(Bronze começa à procura de uma palavra)

Bronze: “Milagre”, é isso mesmo! Classifico-o como obra de um milagre, minha senhora.

Miss Machado: E milagre, porquê?

Bronze: Primeiro, e contra tudo o que era de prever, um dos alferes desobedeceu ao que estava planeado e não deu ordem para abrir fogo. Segundo, todas as poças de fogo que era suposto serem disparadas numa praça mantiveram-se inertes. Terceiro, as armas que iam afundar uma corveta ao lado do Cristo Rei mantiveram-se caladas. Quarto, um capitão deu ordem para abrir fogo contra a frontaria de um quartel e o companheiro que estava no cano não disparou. Quinto, o chefe de Estado, encurralado no quartel, mandou abrir fogo sobre a cidade, mas o comandante da guarda mesmo sendo-lhe fiel, não cumpriu a ordem. Sexto, quando no quartel alguém estava prestes a soltar a palavra de ordem fatídica, umas crianças em fuga surgiram no corredor e essa imagem evitou o cumprimento da ordem. E assim se foi de milagre em milagre até à vitória final. 


(Tião fala também sobre a sua experiência no dia da Revolução)

Tião:  Naquela manhã, acordei estranho! Peguei na Leica e fui para a rua tomar um café, mas nada se passava em Lisboa, o mundo parecia-me cinzento e nada merecia entrar na minha Leica. Fui na direção da Agfa onde havia encomendado material, umas semanas atrás. Levantei os rolos, paguei e pensei que tudo nesta vida era para nada.
De repente (entusiasmado) pela rua da Conceição vi uma coluna militar ao fundo e a avançar para o Rossio; quando os tanques surgiram confirmei, finalmente, o que se passava. Avancei e gritei: -Eh! Passem por cima de mim, eu quero ser o vosso tapete…e corri atrás deles no meio de toda aquela multidão. Nessa noite não me deitei, Lisboa tinha-se transformado num lugar sem paredes.

(Entra em cena Umbela)

Miss Machado: (aparte) Umbela tinha sido um dos oito assaltantes do Rádio Clube e, sem o seu depoimento, parte do nosso projeto assente na fotografia de grupo sofreria um rude golpe. A sua figura era imprescindível.

Umbela: Era fim-de-semana e fomos ter ao local onde trocámos impressões sobre as horas e os passos. Havia sido ali! O antigo batalhão de caçadores 5, testa de ferro do Antigo Regime, vigiado por todos os lados, numa hora de sonolência havia deixado escapar para a rua a mosca revolucionária.



(Margarida Lota ouvia com atenção tudo o que Umbela explicava e cada vez se impressionava mais com determinadas revelações. Lamentava porque só tinham seis granadas de bazuca para assaltarem aquele quartel, mas mesmo assim, desesperados, tinham acreditado na sua força e haviam resistido).

Salamidas: Então foi assim, meus amigos. Eramos cem, saímos pela porta lateral e encaminhámo-nos para a Rua Garrett, Chiado acima, já seriam umas três da manhã…no Largo de Camões não havia uma alma viva nem nada parecido com uma revolução. Pensámos se teríamos colocado mesmo a canção do Zeca no ar, ou se tudo não passaria de uma fantasia das nossas cabeças. Já haviam passados três horas desde que a emissão tinha ido para o ar, quando ouvi dizer, e quase perdendo a esperança, que se aproximava uma coluna de tanques carregados de soldados com a população da cidade a correr atrás, aos gritos de incitação. Parece que a ressurreição veio ter comigo, aquela que mais tarde disse “Vocês são livres de rir”.

(Miss Machado dirige-se a Charlie 8, mulher de um dos homens da fotografia que já havia falecido)

Miss Machado: Gostava que invocasse o que disse o seu marido quando percebeu que a operação Fim de Regime iria ser um sucesso.

Charlie 8:  Vou então dizer o que sei! Naquela manhã, na Ribeira das Naus, o meu marido percebeu que estava em marcha uma grande vitória, quando um dos seus tenentes avançou em direção ao adversário levando, como todos os outros, um lenço branco na mão. O Brigadeiro recebeu-o à bofetada e mandou abrir fogo sobre ele, mas o coronel não o fez. Aí, o meu marido pensou que estavam salvos, porque mesmo havendo 5 mil efetivos dispersos no terreno estavam todos unidos pela amizade. Aquele embate com o tenente aconteceu as dez da manhã, e o meu marido sempre disse que essa tinha sido a primeira página de uma folha decisiva.



Ato III
Cena Final
(Todos se dirigem para a frente do palco… as luzes apagam-se, ficando apenas uma a iluminar Miss Machado.)

Miss Machado: Nem sempre a história é um pesadelo de que em vão tentamos acordar para regressar ao ponto partida. Por vezes, a história também é um sonho agradável que não queremos esquecer e tentamos que seja sempre lembrado. Um dia, tal como um sonho, todos serão lembrados, tenho a certeza absoluta de que no futuro ninguém será esquecido.

Todos: Há-de haver um lugar onde seja possível lembrarmo-nos de tudo e de todos.
Silencio é morte
e tu, se te calas
morres, e nós também
e se falas
morres e nós também
então diz e morre. E nós também.                                                          

                                                                                                                 Érica, 10LH3


sábado, 1 de junho de 2019

O Melro Branco


O Melro Branco

A peça de teatro infantojuvenil ‘’O Melro Branco’’, aborda subtilmente uma das temáticas mais discutidas atualmente, a discriminação.
A história inicia-se com o nascimento insólito de um melro branco, quando o comum, é os melros serem pretos. O seu pai, ‘’Papa Melro’’, rejeita-o, com medo e vergonha do que os outros melros possam pensar ou julgar (‘’Papa Melro: Uma desonra para a minha família! Se o meu tratamelro levantasse a cabeça! Onde vamos parar, já não se respeita nada! Um melro branco, que dirão os vizinhos?’’).
O Melro Branco, perante insultuosas afirmações, decide partir em busca da sua identidade. No decorrer da sua jornada, depara-se com uma gaivota, uma caturra, um abutre, um flamingo e, por fim, uma pomba. Todos estes animais tinham apenas um ponto em comum: o facto de serem brancos. O pequeno Melro descobriu que não tinha nada a ver com estes animais, pois tinham comportamentos e formas de viver completamente diferentes. À medida que o tempo passava ficava cada vez mais triste por não saber onde era o seu verdadeiro lugar.
Um dia, o Papa Melro ouve um anúncio na rádio a oferecer um grande banquete para quem encontrasse o raríssimo melro branco. A princípio fica chocado com tal notícia, porém reflete no prémio em causa e decide ir à procura do seu filho. Mais tarde, ambos se encontram e o Papa Melro, num tom aparentemente arrependido, pede desculpa ao seu filho e pede para ele voltar para casa. Acrescenta ainda que enquanto estiveram longe refletiu sobre as suas ações e reconheceu que estava errado. O Melro Branco, numa primeira fase, permanece confuso com a aceitação repentina do seu pai, mas logo de seguida fica feliz pela sua busca pessoal ter chegado ao fim e perdoa o Papa Melro.
‘’O Melro Branco’’ apresenta diversas semelhanças com o ‘’Patinho Feio’’ e tantos outros contos e histórias que são inspiradas nos comportamentos da nossa sociedade cada vez mais inabitável. Esta peça tem como principal objetivo criticar e alertar as pessoas para que não cometam os mesmos erros do Papa Melro.
A discriminação é um problema contemporâneo numa sociedade que reivindica todas as formas de igualdade e de equidade.  Para que esta violação dos diretos humanos um dia chegue ao fim é necessário começar por consciencializar os mais novos, que vivem num mundo cada vez mais global onde a emigração é cada vez mais frequente, agora mais do que nunca é urgente que as crianças respeitem outras etnias, religiões, cor de pele.
A luta pela igualdade não tem de partir só das crianças ou jovens, mas também dos seus pais e encarregados de educação que são responsáveis por transmitir tais valores de aceitação e tolerância, para que discursos de ódio camuflados com aquilo que é o politicamente correto não predominem. É importante incutir o maior número de informação às gerações mais novas, para que apurem o seu sentido crítico e lutem por estas importantes causas.
Os jovens são o futuro, para que não volte a reinar um Hitler ou um Kim Jong-Un, para que se evite uma terceira guerra mundial ou guerras civis é de extrema pertinência que peças de teatro como ‘’O Melro Branco’’ e outras tantas histórias continuem a ser exibidas e transmitidas a todas as faixas etárias.
Lara Santos