Os alunos da turma 11LH1 desenvolveram os seus textos subordinados ao tema "Tráfico de seres humanos e exploração laboral", na disciplina de Filosofia, sob a orientação da professora Luísa Marques e em colaboração com a biblioteca escolar. A 29 de janeiro, pelas 11:50h, um grupo de alunos da turma partilhou as suas conclusões e inquietações para uma plateia de colegas das turmas 10LH2;10LH3; 11LH4 e11LH5. A partilha foi extraordinária e o objetivo alcançado: a sensibilização dos colegas para um assunto tão sério quanto preocupante que é o tráfico de seres humanos e a exploração laboral, um tema que deveria ser, para o cidadão do séc.XXI, mais um momento lamentável, da história sangrenta do Homem da Idade Média!
Eis o texto dos alunos:
Tráfico de seres humanos e exploração laboral
“Desumano” e “doentio” são alguns
dos adjetivos utilizados pela OIKOS, uma organização não-governamental voltada
para o desenvolvimento mundial, para descrever o tráfico de seres humanos e
exploração laboral a que a atualidade está sujeita.
Como entender esta realidade em
pleno século XXI??
Afinal, tráfico e exploração são
novas formas de escravatura, mas…a escravidão não foi abolida? Não foram
assinados acordos mundiais para a sua supressão?
Precisamente a 10 de dezembro de
1948, a Assembleia Geral da Organização Das Nações Unidas adotou e proclamou a
Declaração Universal dos Direitos Humanos que definem explicitamente os
direitos que abrangem cada um de nós. A mesma cita: “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e em direito. Dotados de razão e de
consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
No
entanto, 70 anos após a sua criação, em pleno século XXI, ainda é possível
testemunhar inúmeras, graves e inequívocas violações dos direitos humanos, com
destaque para a discriminação de grupos étnicos, a intolerância entre povos, a
injustiça, a opressão, a tortura física e psicológica e, por fim, a escravidão.
Efetivamente, nas últimas décadas tem-se assistido a um aumento progressivo
deste tipo de situações que privam os indivíduos do seu livre-arbítrio, como,
por exemplo, o tráfico e a exploração de Seres Humanos, e que põem em causa o
que foi decretado na Declaração anteriormente referida, mais especificamente o
que está definido no seu 30º artigo que explicita que ninguém pode tirar-nos os
nossos Direitos Humanos e o 4º artigo que nega e condena a escravatura. Deste
modo, não será possível constatar que os direitos do homem se encontram mais
próximos de ser uma utopia do que propriamente uma realidade?
Relativamente a este flagelo, o tráfico de
seres humanos, a Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo,
assinado em 2003, define o mesmo como “o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça
ou ao uso de força ou, ainda, a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao
engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade, entrega,
aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa
que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. É importante referir
que o consentimento de uma vítima durante este processo, quer na forma tentada
quer na forma consumada, é irrelevante se tiverem sido utilizados quaisquer uns
dos meios apresentados.
O tráfico de seres humanos assenta em três
fases: o recrutamento, o transporte e a exploração. O recrutamento consiste na
angariação das vítimas de tráfico e ocorre de diferentes formas, variando de
acordo com o tipo da vítima visada (adulto ou criança, homem ou mulher) e o
tipo de exploração que se pretende realizar.
O que está na base do recrutamento, a primeira
fase deste processo, é o puro engano: com o intuito de atrair uma pessoa e
conduzi-la até à situação de exploração, é-lhe prometida uma condição futura
(em termos de trabalho, estudo ou outros) que nunca se chega a concretizar. Assim, os traficantes aproveitam-se dos
sonhos, dos desejos, dos objetivos e necessidades da vítima para a conduzir até
esta horrível situação. Na maioria das vezes, os aliciadores, homens ou
mulheres, são pessoas com que as vítimas têm laços afetivos. Muitas vezes,
apresentam um bom nível de escolaridade e são completos sedutores com uma
elevada capacidade de persuasão.
O transporte das vítimas é a segunda fase do
processo de tráfico. Este transporte pode ter como destino um local no próprio
país onde a vítima foi recrutada ou um país diferente, implicando a
transposição de fronteiras, sendo que os meios de transporte utilizados podem
ser os mais diversos. As condições a que estão sujeitas as vítimas são
precárias e completamente desumanas. Muitas vezes, as vítimas encontram-se sem
oxigénio suficiente, em transportes preenchidos excessivamente de passageiros,
em lugares inapropriados (juntamente com a carga de camiões, barcos ou aviões)
que colocam em risco toda a integridade física e a vida das pessoas
transportadas.
A fase de exploração conclui o
ciclo de tráfico, sendo o seu objetivo principal o aproveitamento económico,
seja porque a vítima desempenha um trabalho sem remuneração, gerando lucro aos
exploradores, ou mesmo quando a própria vítima obtém dinheiro ou bens
materiais, e é obrigada a entregá-los aos exploradores.
É de realçar que este verdadeiro
drama das sociedades encarna um negócio no sentido exato do termo, na medida em
que é extraordinariamente rentável comprar e vender pessoas, pessoas essas que,
quer pela sua vulnerabilidade, iliteracia, pobreza, quer por outras razões, se
sentem aliciadas e sonham com um futuro melhor.
Estas vítimas são,
maioritariamente, usadas para a prostituição, pornografia, muitas vezes
infantil, trabalhos forçados, escravidão, remoção de órgãos e tecidos, adoção
ilegal, para casamentos precoces e para o recrutamento de crianças-soldados.
O tráfico de seres do sexo
feminino, já previamente referido, é um dos mais frequentes tipos de tráfico
humano. Estas, são usadas como objetos sexuais, que permitem aos traficantes
obter elevados lucros. Não fazem ideia de que estão a ser recrutadas para a
exploração sexual, pelo contrário, são iludidas e levadas a acreditar que foram
escolhidas para trabalharem, geralmente, como modelos, bailarinas, entre
outras. Permanecem em cativeiro, sofrem maus tratos e trabalham, por norma, 10
a 13 horas diárias na prostituição, sem poder recusar clientes e sendo
constantemente submetidas ao uso de drogas.
Não fosse uma realidade atual, porém cruel e
por muitos ignorada, provavelmente custaria e custa aceitar as estatísticas
desta forma de tráfico que se traduzem em cerca de 800 mil pessoas traficadas
por ano, em todo o mundo. Segundo a ONU, o tráfico de pessoas movimenta
atualmente 32 bilhões de dólares em todo o mundo. É de realçar que deste valor,
85% provêm da exploração sexual.
De igual modo, não podemos ficar indiferentes
a um dos grandes problemas que atinge todas as sociedades no geral, quer os
países marcados pela pobreza, instabilidades políticas, desigualdades
económicas, países que não oferecem possibilidade de emprego, educação e
perspetivas de futuro para os jovens, ou seja, países em desenvolvimento, quer
dos “ditos” países desenvolvidos. Contrariamente ao que acreditamos, este
flagelo não afeta única e exclusivamente as zonas de África, Ásia e América
Latina. Pensamos que estamos seguros e isolados no nosso cantinho da Europa.
Enganamo-nos. Estatísticas obtidas a nível global têm demonstrado que, cada vez
mais, são identificadas vítimas de tráfico humano naturais de países
desenvolvidos. Com efeito, todos os Estados deverão ter a obrigatoriedade de
cooperar entre si, em conjunto com organizações não governativas pelo mundo fora.
O tráfico de seres humanos cresceu na Europa e em Portugal, nos
últimos anos, segundo denuncia o sindicato da Carreira de Investigação e
Fiscalização do Serviço de Estrangeiros
e Fronteiras, que fala sobretudo na exploração de trabalhadores agrícolas e no tráfico de crianças
africanas. Isto quando se assinalam os dez anos da Convenção de Varsóvia (para
assinalar a data, o Conselho da Europa
organizou uma conferência).
Para além do resto do mundo, também Portugal é um país de origem,
trânsito e destino de Tráfico Humano. De acordo com os relatórios anuais
produzidos pelo OTSH, Observação de Tráfico de Seres Humanos, a maioria das
vítimas confirmadas no nosso país, em 2010, terá sido traficada para fins de
exploração laboral. A tendência manteve-se, quer em 2011, quer em 2012.
No que diz respeito à georreferenciação
do crime, em 2009, o OTSH terá apresentado a região norte como um das zonas do
país em que mais se fez sentir o fenómeno. Nesse ano, foram sinalizadas
situações de tráfico humano em cinco municípios do distrito de Braga, os mesmos
em que a OIKOS, uma organização de cooperação e desenvolvimento, se propôs
intervir: Barcelos, Braga, Guimarães, Póvoa de Lanhoso e Vila Nova de
Famalicão. Também a APAV, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, tem tido
um papel fundamental no apoio às vítimas de tráfico humano e na sensibilização
desta problemática.
Tendo
assumido toda esta dimensão, as autoridades perguntam-se de que forma devem
combater o tráfico e exploração de seres humanos. Neste sentido, a prevenção e
a sensibilização são sempre as melhores iniciativas. Os esforços devem ser
orientados, cada vez mais, de forma a criar técnicos, capacitar as
instituições, sensibilizar as famílias e as pessoas, e criar uma espécie de
capacidade de defesa colectiva contra este mal. Os meios de comunicação social
devem desempenhar o seu papel na disseminação de informações que levem os
cidadãos a redobrarem a vigilância, não só no dia 30 de julho, o Dia Mundial
Contra o Tráfico de Pessoas.
É-nos exigido conhecimento. É
fundamental que os cidadãos conheçam os seus direitos, que tenham informação
clara e acessível sobre o teor deste crime, que saibam reconhecer possíveis
situações de exploração e que saibam procurar ajuda caso verifiquem que os seus
direitos não estão a ser respeitados. Devemos duvidar sempre de propostas de
trabalho fácil e lucrativo, sugerir a leitura de um possível contrato de
trabalho, evitar tirar fotocópias de documentos pessoais e deixar um endereço,
uma localização aquando uma possível deslocação.
Mas,
sobretudo, devemos apostar na educação, pois quanto mais preparadas,
educadas, as pessoas estiverem, melhor
conseguem evitar situações de risco. É aqui que a escolaridade desempenha um
grande papel, e é por essa mesma razão que se devia investir mais neste setor,
sobretudo em países com baixos níveis de cultura e qualidade de vida, como por
exemplo nos países em desenvolvimento.
Mas será isto suficiente para
acabar com as enormes redes de tráfico que estão constantemente a surgir? Ao
que nós respondemos, não. Enquanto nós pensamos que estamos a fazer a diferença
ao libertar milhares de mulheres, estão outras tantas a ser violadas. Enquanto
nós pensamos que estamos a fazer a diferença ao apreender milhares de
manipuladores, estão tantos outros a criar os seus próprios esquemas,
explorando milhares de inocentes. Eles dividem-se para conquistar, e nós? Nós
observamos? Esperamos o melhor para aqueles que estão a morrer às mãos de
traficantes?
E, sobretudo, para combater este
drama, devemos compreender que a diferença começa com a nossa atitude
individual, no compromisso, no respeito pelo outro e não se resume apenas à
ação dos agentes de autoridade. O compromisso deve ser de todos e não devemos,
sob nenhuma circunstância, partir do princípio que não podemos fazer nada. Somos
nós, a geração que amanhã vai estar à procura de emprego, à busca de sonhos
pelo mundo fora, esfomeados para que uma grande oportunidade nos apareça. Quem
sabe, a ambição e a esperança nos torne cegos, e sejamos nós as próximas
vítimas que acabam enganadas, burladas, maltratadas e exploradas.
Por um lado, é de notar que vivemos
atualmente numa suposta sociedade mais tolerante e recetiva ditada por um
“boom” tecnológico, nunca antes experienciado, devido à nossa capacidade do uso
da razão como motor de progresso.
Porém,
como é que somos capazes de aplicar a expressão “progresso” à humanidade quando,
passados, aproximadamente 500 anos, da época em que Portugal e algumas
potências europeias manifestavam a sua supremacia perante povos de cores de
pele e traços físicos diferentes, os tratavam como meros objetos usados e os
apelidavam de “escravos negros”, continuamos a praticar precisamente o mesmo
género de violações, mas de forma mascarada, isto é, oculta?
Será que evoluímos ao longo do tempo com a
finalidade de nos tornarmos uma espécie cada vez mais desenvolvida ou iremos
ter sempre esta faceta cruel e impiedosa?
Para finalizar, lembremo-nos de que
apesar de o mundo em que vivemos ser por vezes cruel, devemos, cada um de nós,
fazer os possíveis para tentar emendá-lo, lutar por um mundo onde a paz e o
amor permaneçam em primeiro lugar e onde seja finalmente possível, conseguir
viver em plena felicidade.
Mesmo que na maior parte das vezes acreditar
num lugar assim pareça uma verdadeira utopia.
Só assim estaremos aptos a aplicar o conceito
progresso à humanidade.
Esperemos que tenham ficado
esclarecidos e que tenham ganho plena consciência sobre esta problemática do
tráfico e exploração de seres humanos porque continuamos perante o fenómeno de
escravatura, o mesmo que nos assolou há quinhentos anos, apesar de vivermos
tempos modernos.
NOTA: Texto
dos alunos do 11ºLH1, para a palestra dada aos colegas dos 10º e 11º anos,
após um trabalho de projeto em que pesquisaram a temática e se posicionaram
face à mesma. Nesse trabalho, estiveram envolvidas as turmas 11ºLH1, 11ºLH2,
11CT5 e 11CT6, sob orientação da professora de Filosofia, Luísa
Marques. Os textos dos alunos podem ser consultados neste mesmo blogue, nas pastas do 11LH1/11LH2 e 11CT5/11CT6.